No dia 1 de fevereiro de 2003, o vaivém espacial Columbia fazia a sua reentrada na atmosfera da Terra quando se desintegrou, matando os sete membros da tripulação.
Wayne Hale, responsável pelo lançamento, disse publicamente:
«Eu tive a oportunidade e a informação e falhei em a utilizar. Não sei o que um inquérito ou um tribunal irá dizer, mas apresento-me como condenado no tribunal da minha consciência e sou culpado de não ter evitado o desastre do Columbia. O que interessa é que eu falhei em perceber o que me estavam a dizer. Por isso, não procurem mais, eu sou culpado de deixar o Columbia despenhar-se.»
Tenta recordar-te de alguns erros que tenhas feito e que não foste capaz de admitir. De certeza que terás alguma recordação de alturas em que fizeste algo e em que depois não foste capaz de admitir o erro, dissimulando-o ou evitando-o.
Podes julgar que o erro teve consequências muito graves e que seria muito difícil de admitir.
Mas provavelmente não seria tão difícil de admitir como fez Wayne Hale. E, embora tivesse admitido o erro, a culpa não foi dele, mas de um conjunto de circunstâncias. Mesmo assim, teve a coragem de admitir um erro gravíssimo que culminou na morte de sete pessoas. No entanto, nós, seres humanos, temos a tendência natural de não admitir os nossos erros. Porque será?
Somos criaturas essencialmente guiadas pelo nosso ego. Desde cedo, desenvolvemos a nossa identidade, um autoconceito e uma autoimagem, que são construídos com base nas nossas crenças, nos nossos filtros e no modo como nos vemos.
Acreditamos também que vemos o mundo de forma realista e racional, e, em regra, melhor do que a maioria das pessoas.
Quando os nossos pensamentos e comportamentos ou as acusações de terceiros desafiam o nosso ego, isto é, o nosso autoconceito, experienciamos algo chamado dissonância cognitiva, que, resumidamente, é uma forma mental de desconforto e tensão.
A dissonância cognitiva surge quando tentamos manter duas crenças/atitudes/ideias ao mesmo tempo ou quando existe uma dissonância entre a nossa cognição e a nossa atitude.
Porque a nossa mente anseia por consonância, harmonia e clareza em vez de contradição e conflito, imediatamente procuramos dissipar a tensão mental criada pela dissonância cognitiva.
Podemos dissipar esta dissonância admitindo que cometemos um erro e reavaliando o nosso autoconceito ou justificando o comportamento de forma que não entremos em conflito com o nosso autoconceito. E como o nosso ego é forte e temos um autoconceito construído e enraizado com muita força, tendencialmente escolhemos a segunda opção e não admitimos os nossos erros.
Mas o não admitir os nossos erros não acontece apenas de forma consciente. O nosso cérebro trabalha a nosso favor para dissipar esta dissonância cognitiva, mexendo com a nossa memória para que realmente acreditemos que não errámos.
Ele altera as nossas memórias para que se enquadrem naquilo que queremos, em linha com a nossa imagem e o nosso autoconceito.
A ciência diz-nos hoje que as nossas experiências são partidas em pedaços e esses fragmentos de memória são armazenados em diferentes partes do cérebro.
Não são gravados todos os pormenores, apenas os mais importantes, pelo que, mais tarde, quando nos tentamos recordar de algo, o nosso cérebro reconstitui a memória extraindo as peças que guardou e preenchendo o resto para que faça sentido para nós. Embora parte da memória já não seja real, para nós é sentida como muito real e exata.
Foi feito um estudo em que pediram a participantes que lessem histórias sobre dois colegas de quarto, tendo depois de escrever uma carta de recomendação ou uma queixa sobre um deles (Tavris & Aronson, 2007).
Os participantes, invariavelmente, acrescentavam à carta pormenores que não existiam nas histórias originais. Quando depois lhes era pedido que recordassem as histórias originais, de forma o mais exata possível, estes recordavam-se dos pormenores que tinham posto nas cartas como se fossem verdadeiros e esqueciam-se dos pormenores das histórias originais.
O ato de contar uma história sobre o passado mudou com sucesso esse passado. É como um criminoso condenado que diz efusivamente que está inocente, mesmo com provas irrefutáveis contra ele. Provavelmente, pode já nem saber que está a mentir, pois, após anos ensaiando uma nova versão dos acontecimentos em que não era culpado, provavelmente substituiu a memória do que realmente aconteceu e agora acredita mesmo na sua inocência.
Geralmente, é duro, difícil e uma luta contra nós próprios admitir os nossos erros. Mas, ao fazermos isso, ganhamos muito. Aumentamos a nossa autoconsciência, desenvolvemos o nosso autoconceito, afinamos as nossas lentes e melhoramos as relações à nossa volta.
A dificuldade de admitir os nossos erros é transversal a todas as áreas da nossa vida. Quem já trabalhou ou estudou, pelo menos um dia, sabe que já fez algum erro. Enquanto a maioria das pessoas aceita que os deslizes são inevitáveis, ninguém gosta de ser responsabilizado por eles.
A boa notícia é que os erros, mesmos os grandes, não têm de deixar uma marca permanente na tua carreira.
Na realidade, muitos até contribuem para a aprendizagem pessoal e organizacional, fazendo parte essencial da experimentação e inovação. Por isso, se errares no trabalho ou na escola, não te preocupes, pois todos já erraram e todos vamos errar. Podemos recuperar e utilizar a experiência para aprender e crescer.
De acordo com Paul Schoemaker, diretor de pesquisa do Centro Mack para Inovação Tecnológica, da Universidade da Pensilvânia, e coautor do livro Brilliant Mistakes, a maioria das pessoas tem tendência a exagerar nas reações aos seus deslizes. Fazem uma avaliação assimétrica dos ganhos e perdas para que as perdas sejam muito maiores do que os ganhos. Como resultado, podem ser tentadas a esconder os seus erros e a escolher caminhos que são improdutivos e prejudiciais para todos. É muito melhor aceitar os erros, aprender com eles e seguir em frente (Gallo, 2010).
Quando errares, admite os teus erros. É difícil admitir que estamos errados, porque gostamos de ter sempre razão, mas saber admitir erros faz milagres nas relações.
As pessoas tendem a esconder, negar ou culpar os outros dos seus erros. Mas, ao fazer isto, não vamos aprender a lição e estaremos a estragar a nossa reputação, seja com amigos, seja nos relacionamentos amorosos ou profissionais.
Numa conversa em que estejamos mais emocionais, se estivermos a gastar energia a tentar dissimular o erro, apenas vamos desgastar a relação e o problema ficará na mesma por resolver. Se, por outro lado, admitirmos prontamente o erro, mostrarmos arrependimento e assegurarmos que da próxima vez vamos fazer melhor, os níveis emocionais da outra pessoa vão estabilizar.
E o facto de admitirmos um erro leva muitas vezes a outra pessoa a analisar a situação, a encontrar também a sua responsabilidade e a desculpar-se dos seus erros, resolvendo a situação de uma forma muito mais positiva.
Retirado do Livro “Inteligência Emocional – uma abordagem prática” de Paulo Moreira