Há algumas décadas atrás, pensava-se que a genética determinava totalmente a nossa forma de ser, estar, a nossa personalidade e os resultados que iriamos ter na vida. Entretanto, surgiram outras correntes de pensamento que diziam que era o meio que ditava como nos iriamos tornar. Diziam que nascíamos como uma tábua rasa, uma tábua em branco, sem qualquer informação e que aprendíamos tudo com a nossa interação com o meio.
Esta luta de ideias deu historicamente o debate entre a genética e o meio. Só a partir de década de 90, com recurso a ferramentas imagiológicas que permitiram analisar a atividade do cérebro e com novos estudos experimentais, a resposta apareceu.
A genética tem um peso e influencia como nos iremos tornar. Mas, não determina. O meio em que estamos inseridos e as nossas experiências passadas têm um peso determinante no resultado da nossa vida.
O que a ciência descobriu recentemente é que a mera presença de um gene não é suficiente para determinar se iremos ter aquele traço ou não. Um gene também tem que ser ligado ou desligado. Estudos feitos têm vindo a mostrar que as experiências que temos podem ligar ou desligar genes. Ou seja, naquela dicotomia da genética contra o meio, verificamos que o meio pode agir sobre a genética.
Dependendo das experiências que uma criança tenha, a base genética da timidez ou agressão pode ou não ser manifestada. O nosso DNA é como uma coleção de música. Podemos ter músicas que não gostamos na nossa coleção, mas a música que ouvimos depende da música que é tocada.
No início de 1990, Michael Meaney, especialista em biologia e neurologia, descobriu algo muito interessante com ratos, que serviu de resposta para este debate da genética contra o meio.
Como os ratos neuróticos e ansiosos tinham filhos também neuróticos e ansiosos, pensava-se que a ansiedade e o neuroticismo eram genéticos, hereditários e fixos. E como os ratos calmos tinham filhos calmos, pensava-se que esse traço também era genético, hereditário e fixo. Mas Meaney, era céptico quanto a esta ideia e quis testá-la.
Meaney colocou os ratos fêmeas que eram ansiosos e neuróticos junto das crias de ratos calmos e colocou os ratos fêmeas que eram calmos junto das crias de ratos ansiosos e neuróticos.
Uma das grandes diferenças entre estas mães, é que aquelas que eram calmas, davam muito mais carinho às crias e lambiam-nas muito mais, como gesto de afeto e de reconforto, enquanto as mães ansiosas e neuróticas não faziam isso.
O que aconteceu foi que as crias de ratos neuróticos e ansiosos, mas que foram colocados junto de mães calmas, tornaram-se calmos e curiosos, explorando o meio à sua volta. Por outro lado, as crias de ratos calmos, mas que foram colocados junto de mães neuróticas e ansiosas, ficaram mais ansiosos, hipersensíveis a qualquer som ou gesto e com mais stress.
O que Meaney e os seus colegas descobriram foi que os genes eram expressos pelas experiências de vida iniciais.
O facto do meio influenciar a genética não acontece apenas com ratos. Meaney fez outro estudo, analisando amostras de 36 cérebros: 1/3 de pessoas que se tinham suicidado e sofrido abusos em crianças, 1/3 de pessoas que se suicidaram mas não foram abusadas e 1/3 de pessoas que não se suicidaram.
Ele descobriu que as pessoas que tinham sofrido abuso em crianças e que tiraram a sua vida, tinham o gene responsável pelo sistema de resposta ao stress, desligado, fazendo extremamente difícil de lidarem com as adversidades da vida. A atividade anormal no sistema de resposta ao stress tende a estar ligada ao suicídio. Com esta descoberta feita em 2009, Meaney completou a sua ideia. O abuso que as pessoas sofreram em crianças, ou seja, o efeito do meio, alterou a expressão de genes no cérebro, que prejudicou a capacidade de lidarem com a adversidade, levando a estas pessoas mais vulneráveis ao suicídio.
Embora possamos ter uma genética propensa à ansiedade, se formos criados num ambiente carinhoso, seguro, reconfortante e que nos dê ferramentas para lidar com a ansiedade, pode silenciar esse gene e prevenir que tenha um efeito no cérebro e no nosso comportamento.
Então Meaney mostrou que não podemos estar sempre a culpabilizar a nossa genética, a dizer que somos como somos, porque já o meu pai era. O meio influencia de forma determinante na forma como os nossos genes vão ser expressos.
No entanto, podemos ter sido criados numa situação em que o meio não foi o mais seguro e carinhoso. Então, será que isso significa que o nosso destino está traçado? Que a forma como somos criados em criança vai definir a nossa vida? Não. Embora tenha um peso muito forte, o nosso cérebro continua a formar novas ligações neurológicas ao longo da nossa vida, conseguindo então mudar padrões e processos de aprendizagem. A este processo dá-se o nome de neuroplasticidade.
Como tínhamos indicado no início deste artigo, o que devemos reter é que a genética influencia-nos, mas não determina o resultado da nossa vida. As experiências do nosso dia-a-dia, desde da infância e durante a fase adulta, vão ter um impacto muito forte em moldar a nossa forma estar no mundo e como vamos reagir às situações do dia-a-dia.